Sitemap

Quando a gente tá bem, sem saber que tá mal

3 min readJun 16, 2022

--

Quando a gente sai de um, é como se emergisse do fundo do mar depois de quase morrer afogada. É como voltar a respirar depois de ter esquecido que se precisa de ar. O problema é que depois de um tempo a gente passa a ganhar resistência. O azulado da pele sem oxigênio suficiente me caía bem, a água era morna, quem não gosta do fundo do mar?

fundo do mar, com raios de luz atravessando a imagem em linhas verticais. As águas fazem um degradê de verde azulado até completamente preto.
Foto de Blaque X: https://www.pexels.com/pt-br/foto/peixe-subaquatico-932638/

Mas tem hora que a natureza dá o seu tempo. Meu corpo começou a ceder, eu não era mais tão doce, a água salgada do mar me invadiu, eu me perdi. Na explosão de dor, eu não sabia mais o que era meu e o que era dele, se a dor era minha ou era dele, eu só sei que eu doía, e doía muito.

Eu tentei me adaptar ao mar. Por anos achei que criaria guelras, aprenderia a mergulhar melhor e me sentiria bem no fundo do mar. Mas eu tenho medo do mar, sempre tive. Me forcei a entrar no fundo do mar mesmo sabendo que não me sentia confortável. Achei que assim aprenderia, mas não é assim que as coisas funcionam. E não dá pra subir pra superfície de mãos dadas se o outro quer ficar no fundo e não consegue ver a superfície, é impossível, eu afundei também.

Ficar no fundo do mar pra ver os peixes é bom, mas quando o seu corpo precisa de ar você precisa subir. Não importa o quão aconchegante e gostoso seja, se você não subir você morre mesmo que o mar esteja calmo e convidativo. Peixes são peixes, pessoas não são peixes, por mais que insistam que sejam.

Depois que a gente sobe e tem aquele sol na cara, o ar preenche dentro dos pulmões mas parece que até a sua pele inspira. A sensação de liberdade sem saber que se estava presa tem gosto estranho. É boa, mas é confusa e é inevitável não se sentir decepcionada consigo mesma por ter passado por tudo isso. Logo eu que sei do meu medo de mar, do meu nado e até quanto tempo aguento embaixo dágua, fechei os olhos, prendi o nariz e pulei. No começo achei que era um desses mergulhos de verão, mas era pra navegar.

Barco de vela no mar calmo com montanhas ao fundo que podem parecer uma onda cristalina gigante em direção ao barco
Foto de Matheus Guimarães: https://www.pexels.com/pt-br/foto/veleiro-branco-em-corpo-de-agua-611328/

Eu nunca aprendi a nadar. Fiz natação algumas vezes, mas nunca consegui avançar muito. Sempre tem um momento que eu fico ansiosa por prender a respiração por muito tempo. Desde sempre soube que mergulho não era pra mim, apesar de achar lindo. Mas então porque entrei no barco, prendi a respiração e pulei no mar?

A princípio é tudo bem gostoso. Apesar do receio, o início de uma experiência é sempre gostoso, mesmo que você conheça bem o seu relacionamento com isso. Depois de tanto tempo no mar, o sal começa a machucar a pele. As cicatrizes começam a aparecer e apesar de querer negar que seja o mar, elas estão lá e todo mundo pode ver. Eu quis negar, mas por mais que a gente queira, a realidade não muda.

Eu sei que daqui um tempo eu vou olhar pra isso e sentir mais compaixão comigo mesma, mas eu não quero escrever sobre isso. Eu quero descrever o que é se perder em território conhecido e mesmo sabendo o caminho de volta continuar indo. Eu sei que o tempo vai trazer as reflexões e aprendizados dessa viagem, mas eu não quero saber deles agora. Eu quero escrever sobre afogamento e auto-resgate. Sobre ser o seu próprio salva-vidas sem se quer saber nadar. Quero falar de raiva dilacerante e uma vontade de gritar pra dentro de si. Hoje eu quero ir pra casa, mas não sei onde é minha casa, nem sei se já tive uma. Só sei que chega de mar, preciso de ar e terra firme.

--

--

Patricia Nascimento
Patricia Nascimento

Written by Patricia Nascimento

Dream maker, space traveler, tough audience

No responses yet