O Empresário Que Sabia Demais
Tarde fria de outono de ventos gélidos e bruscos.
Um homem de meia idade fala em alto volume ao telefone sobre negócios. Sua estrutura corpórea não é grande mas sustenta uma pança que parece pesar o equivalente a outra pessoa um pouco mais em forma.
O ambiente de ar condicionado a 23 graus é composto por sofás e poltronas não muito elaboradas, porém confortáveis. O porcelanato do chão é simples e as paredes tem cor creme com textura em três divisões cortando verticalmente, o que forma quatro blocos contínuos pelo perímetro do salão. É aconchegante, mas contrasta com os berros do homem o qual pensa ter comprado o conjunto de escritórios da Av. Angélica. O contraste é tamanho que é possível imaginar janelas, vasos e mesas de vidro se quebrando. O clima quieto é vítima de uma explosão de palavras que inflam números e negociam agressivamente.
É uma chuva de granadas e sinto vontade de agachar por debaixo da mesa e me proteger dos ataques. Mas não fazia sentido. O que eu teria feito? Eu estava apenas aguardando ser chamada pelo Dr. Frederico, não entendia porque estava sendo bombardeada daquela forma. Será que ele sabia o que eu tinha feito? Seria essa uma punição disfarçada, um tipo de sinal dizendo que nada sairá impune!?
Não. Acho que não…
Desde aquele inverno é comum sons altos em ambientes tranquilos me colocarem em um cenário de guerra. Eu quase consigo sentir os vidros perfurando a minha pele e o sangue escorrendo quanto protejo o rosto numa tentativa fracassada de evitar mais ferimentos. Apesar dos muitos traumas de criança darem motivos para gritos e imposições agressivas me colocarem em trincheiras, é claro o incômodo das outras pessoas. Algumas mais outras menos, mas todas menos felizes desde que seu silêncio foi interrompido.
Após afirmações da qualidade dos seus produtos e da óbvia impossibilidade de descontos, o homem começa a andar ainda falando ao telefone, até o elevador. Pressiona com o dedo indicador gordo e cabeludo o botão para subir. Continua vomitando palavras que soam mais como auto afirmações do que fatos reais enquanto entra no elevador. Se despede brevemente enquanto as portas se fecham e pronto.
Nós do saguão temos paz (e eu, principalmente, alívio).